O MUNGA na Alemanha          

Para descrever o nascimento do MUNGA na Alemanha, traduzimos a matéria publicada na revista italiana AUTO IN FUORISTRADA de Junho/87. Texto de Roberto Bruciamonti, com tradução de Alessandro Zelesco. As fotografias foram tiradas em Golferenzo, Pavia (Italia).

 

DKW MUNGA: FUMAÇA, BARULHO E FANTASIA

Um carro original como poucos este 4x4 nascido em 1954 e destinado ao exército alemão. Posto em prova revela, no entanto, muitos dotes. Três cilindros, dois tempos e tração integral permanente sem diferencial central.

No mínimo é incerto e barulhento, mas basta aumentar a rotação para obter um funcionamento redondo de um motor de seis cilindros em linha. Estamos falando do três cilindros a dois tempos que equipava os Auto Union "F91", mais conhecidos como "Munga", uma contração do enrola-língua "Mehrzweck Universal Gelandewagen mit Allradantrieb", ou seja, "autoveículo fora-de-estrada com tração integral para usos gerais". O desenvolvimento deste veículo teve início em 1954, quando três fabricantes alemães foram convidados a apresentar protótipos de veículos 4x4 da classe 1/4 ton. No final daquele ano Goliath, Porsche e Auto Union apresentaram os primeiros exemplares dos veículos solicitados, destinados a serem submetidos a exigentes testes de desempenho. A Goliath-Werk GmbH apresentou os modelos "31" e "34", que foram apreciados pela capacidade de frenagem e estabilidade, mas acusaram problemas no cambio e na transmissão, enquanto que o Porsche "597", dotado de carroceria estanque em condições de navegabilidade, apesar de ser qualificado como excelente sob todos os aspectos, foi considerado excessivamente caro.

Resultou vencedor do confronto o Auto Union/DKW "F91". O seu chassi com longarinas e travessas, suspensão independente e baricentro baixo, conseguiu o aplauso geral, bem como os órgãos da direção e transmissão. O que fez discutir foi o motor, um dois tempos de três cilindros em linha.

A comissão militar encarregada de julgar os veículos propostos ficou dividida neste ponto. Alguns de seus membros sustentavam que o motor a dois tempos, pela sua leveza, simplicidade e economia de construção (o motor do Munga tem apenas sete partes em movimento), unidos à elevada potência específica e à facilíssima manutenção, fosse o propulsor ideal para emprego militar. Outros eram da opinião que o escasso efeito freiante do motor, o elevado número de giros no qual era obtido o torque máximo e a alimentação com mistura óleo/gasolina, eram defeitos que não podiam ser desprezados.

Ganharam os primeiros, certamente favorecidos pelo preço, notadamente inferior ao dos concorrentes.

A esquerda: o pequeno propulsor quase desaparece em comparação com o enorme dínamo e com o colossal radiador, que tem uma capacidade de 12 litros.

 

Acima: Nas descidas a ação freiante é delegada exclusivamente aos quatro tambores de freio, dado que a contribuição do motor é irrelevante.

 

A esquerda: os órgãos mecânicos não invadem o habitáculo, como acontece na maioria dos fora-de-estrada, deixando o interior do veiculo muito espaçoso.

 

  Acima: Não obstante apenas os

 seus 44 CV, graças às reduzidas o

 "Munga" consegue superar

 pendências de todo respeito.

 

EXAME DO VEÍCULO

Para os projetistas de veículos militares a estética não tem importância. Apesar disso, a desesperada busca de funcionalidade dá origem a veículos de estilo original e, muitas vezes, bastante agradável, como é o caso do Munga.

As modestas dimensões dos órgão mecânicos e sua disposição a frente do eixo dianteiro permitiram aos técnicos da DKW de realizarem um habitáculo espaçoso em relação às dimensões do veículo. O acesso é bom inclusive com o veículo coberto e apenas as pessoas de baixa estatura encontram alguma dificuldade devido a altura das laterais. No tocante aos bancos traseiros, com a capota aberta não há problema, enquanto que com a capota montada sentar-se atrás torna-se uma tarefa de contorcionistas. Muito positivo o fato de que a capota pode ser levantada e abaixada em poucos instantes.

A posição de direção é boa, e o assento é regulável em três posições. O condutor possui uma ótima visibilidade através do amplo pára-brisa, e tem uma clara percepção dos limites da carroceria. Isto com o veículo aberto, enquanto que com ele fechado, especialmente quando os transparentes em plástico começam a envelhecer e amarelar, as manobras se tornam mais problemáticas. A direção é leve, precisa e muito direta, e com uma distância entre-eixos de apenas dois metros é necessário algum cuidado para evitar capotagem.

 

Esta vista lateral evidencia os bons ângulos de ataque e saída,

além da altura em relação ao solo na zona central do chassi.

 

Os vários comandos da instalação elétrica são, decisivamente, fora de mão, todos situados no painel à esquerda do motorista: decisivamente inalcançável é o interruptor dos indicadores de direção, que para ser acionado é necessário afastar-se do encosto do assento. A instrumentação é limitada ao indispensável: consta de tacômetro com conta-quilômetro total e parcial, termômetro da água e medidor de combustível.

Bem posicionados os pedais, que exigem um esforço modesto, e a alavanca do freio de estacionamento, na tradicional posição entre os bancos dianteiros, caracterizada por um eficiente sistema de blocagem. O cambio dos faróis é comandado por pedal, e a pedal também é a bomba de lavagem do pára-brisa, muito eficaz. A alavanca de comando da reduzida, acionável também com o veículo em movimento, está colocada no centro do painel, facilmente alcançável: as reduzidas são inseridas após puxar a alavanca e fazê-la rodar sobre o próprio eixo.

 

A TÉCNICA

O motor tricilíndrico do Munga foi beneficiado pela considerável experiência da DKW na construção de motores a dois tempos. A distribuição é efetuada através de luzes com admissão controlada pelo pistão. Potência e torque são, de algum modo, modestos, sendo, respectivamente de 44 CV a 4.250 rpm e 8 mkg a 3.000 rpm, mas são obtidas com regularidade e sem "buracos" a partir dos 1.500 giros, e isso, juntamente com as relações curtas do cambio, confere ao veículo um certo brio ao mesmo tempo que faz girar alegre o motor.    

A circulação de água é por termosifão, sem termostato nem bomba de água. Na estação fria, uma cortina, controlada por uma pequena corrente acionada pelo motorista, permite aquecer rapidamente o motor e manter assim a temperatura ideal.

Mas a característica mais original do Munga diz respeito à transmissão: é integral do tipo permanente, desprovida porém de diferencial central. Uma solução válida no fora-de-estrada mas que se constitui num tormento para as juntas e diferenciais na marcha em estrada asfaltada.

 

A DIREÇÃO

A primeira coisa que destoa quando nos colocamos ao volante do Munga é o regime irregular do motor em marcha lenta: enquanto o motor não estiver suficientemente quente (a temperatura de funcionamento ótimo é entre 80 e 90 graus) do cano de escape saem nuvenzinhas de fumaça azulada acompanhadas de um pipocar irregular. Em torno aos 1.500 giros por minuto, porém, as coisas mudam: o barulho se torna uma espécie de assobio continuo, digno de propulsores de alta linhagem. Este barulho, quase inexistente abaixo dos 1.500 giros, é aceitável quando se mantém o motor em alta rotação, facilitado também pela correta disposição entre os escalonamentos do cambio (a 4 marchas) e da reduzida (a duas velocidades).

Depois de algumas centenas de metros enfrentando os primeiros buracos, o pequeno 4x4 alemão nos reserva uma outra surpresa: a suspensão não é muito rígida e os bancos, com uma capa um pouco dura, têm, em seus interiores, uma mola em rede que absorve bem as sacudidas fora-de-estrada.

A embreagem é boa, com acionamento leve e muito robusta. As relações no cambio, como já foi dito acima, são bem escalonadas, tanto nas marchas normais como nas reduzidas, enquanto que a manobrabilidade  deixa um pouco a desejar, talvez devido ao comprimento da alavanca de cambio.

"Segunda", "terceira" e "quarta" são sincronizadas, mas recorrendo à dupla debreagem se evitam engates bruscos e ruidosos. Os limites das várias marchas são de 18, 32, 58 e 95 quilômetros por hora, mas o fabricante recomenda passar da "primeira" para a "segunda" aos 12 km/h, da "segunda" à "terceira" aos 25 km/h e da "terceira" para a "quarta" aos 45 km/h.

O veículo testado tinha uma plaqueta no painel que indicava em 80 km/h a velocidade máxima permitida, mesmo que a Auto Union declarasse nos seus catálogos que o jipe tinha condição de atingir os 98 km/h. Curiosos por estes dados contraditórios, resolvemos colocar o Munga à prova e, descobrimos, que os 95 km/h são efetivamente atingidos, mas, acima dos 80 km/h, o motor e a transmissão começam a trepidar e induzem, rapidamente, ao motorista mais animado, a reduzir a pressão no pedal do acelerador. Em qualquer caso o jipe tem condições de manter uma velocidade de cruzeiro de 80 km/h: nesta marcha o consumo não é excessivo, mesmo que a condição ótima de economia seja em torno dos 60 km/h, velocidade correspondente ao regime de torque máximo.

Ótimo o sistema de acionamento da reduzida, inserível mesmo com o veículo em movimento, enquanto modestos nos pareceram os freios, que têm um funcionamento honesto mas devem ser continuamente solicitados devido a quase ausência de freio-motor, e numa descida superaquecem e logo mostram sinais de fadiga.

 

NEM VÁLVULAS, NEM CAMES

Motor: DKW "F 91", três cilindros em linha,  974 cc, dois tempos, com distribuição por meio de luzes no cilindro e admissão controlada pelo pistão. Diâmetro e curso 74 x 76 mm, taxa de compressão 7,25:1, torque máximo 8 mkg a 3.000 giros por minuto. Alimentação com carburador, ignição por meio de bobinas e platinados.

Transmissão: cambio com quatro marchas avante e uma a ré ("primeira" não sincronizada). Redutor de velocidade com duas relações, 1:1 para as marchas normais e 1,604:1 para as marchas reduzidas. Tração integral permanente sem terceiro diferencial.

Chassi: de longarinas e travessas, com suspensão independente e molas semi-elípticas transversais, amortecedores hidráulicos telescópicos. Freios hidráulicos sobre todas as rodas.

Corpo veículo: carroceria aberta, quatro lugares, dimensões 3,45 x 1,73 x 1,81 m, peso vazio 1.085 kg.

Aceleração: partindo parado, em ordem de marcha, com 2 pessoas a bordo:

- Base 400m: 24"8/10

- Base 1000m: 47"9/10

Consumo: (lx100km)

- Na estrada: 13,3

- Fora-de-estrada: 25

- Uso médio: 17,1

Velocidade: (km/h)

- Mínima (em 1a reduzida no regime de torque máximo, 3000 RPM):  3

- Máxima (veículo coberto, com pneus 6:00x16:  94,8

Retomada: de 40 km/h na marcha mais alta, com 2 pessoas a bordo:

- Base 400m: 25"3/10

- Base 1000m: 48"2/10

Pesos: (kg)

- Vazio, em ordem de marcha: 1085

- Carregamento máximo permitido: 365

- Total a plena carga:  1450

 

 

UMA MINA DE IDÉIAS BRILHANTES

1. A tomada multipolar para o reboque.

2. Da esquerda: chave de seta, botão de partida, contato

ignição, aquecimento, limpadores de pára-brisa e luzes.

3. O gancho de rebocamento é automático. 4. O desenho dos pneus não é igual ao original.

5. Tradicional a disposição do estepe e do galão de combustível.

6. Para uso como viatura-rádio 7. Suspensões independentes

8. Luz de combate.

9. Bem em vista a cortina termostática.

10. O eficiente aquecimento

11. Para a marcha em coluna

12. Para a manutenção de "segundo nível"

  13. Discreta a ventilação para o veiculo fechado.

 

 

 

14. Bem protegidas as lanternas posteriores típicas dos veículos alemães.

                  

O Munga permaneceu em produção de 1956 até 1968 e foi construído na versão para 4 lugares, como aquele mostrado em nosso teste, e nas variantes para 6 e 8 lugares. Os primeiros exemplares tinham motor de 896cc, mas em 1958 a cilindrada foi levada a 974cc.

 

 

 

Notas sobre o MUNGA

 

1) O  MUNGA permaneceu em produção de 1956 a 1968 (as ultimas encomendas militares foram entregues em 1969). Os primeiros exemplares tinham motor de 896 cc, mas em 1958 a cilindrada foi elevada para 974 cc.

 2) A Auto Union produziu 46.750 veículos MUNGA na fábrica de Ingolstadt (Alemanha).

 3) Existiam três versões:  MUNGA 4, MUNGA 6 e MUNGA 8  (o nº designava a quantidade de lugares)

4) O  MUNGA foi empregado no exército alemão, francês (sediado na Alemanha), inglês (no Reno e nas guarnições de Berlim), Indonésia e Holanda.

5) Alguns exemplares do MUNGA foram utilizados no exército alemão como veículo anti-tanque equipado com mísseis teleguiados Cobra, montados na traseira e apontados para trás.

6) O  MUNGA 6 podia ser equipado com tomada de força no motor e todos os modelos possuíam fixação para reboque.

7) A denominação militar era Auto Union LKW 4x4 0,25 ton. 

 

___________________________________________________________________________

Do livro "Quatro Anéis - A História da Audi", temos o seguinte trecho sobre o lançamento do MUNGA:

Um produto bastante especial foi lançado pela fábrica de Ingolstadt no outono de 1953; era o primeiro protótipo de um veículo off-road multiuso, construído para atender a uma licitação do governo para o desenvolvimento de um veículo off-road destinado ao exército alemão, uma vez mais em processo de organização. A Auto Union conseguiu esquivar-se da concorrência da Porsche e da Borgward/Goliath e garantir o contrato de fabricação com seu veículo DKW M (multiuso), dotado de tração nas quatro rodas e impulsionado pelo já consagrado motor de dois tempos e três cilindros. Os engenheiros de teste e os funcionários governamentais convenceram-se de seu desempenho, e, após inúmeros testes, em novembro de 1956 o novo exército alemão começou a receber o veículo off-road DKW M. Batizado em 1962 como “Munga”, uma sigla do nome oficial em alemão (veículo multiuso universal off-road com tração nas quatro rodas), tornou-se conhecido assim desde então. Quando as encomendas do exército tiveram fim, em dezembro de 1968, 46.750 veículos DKW M e Munga tinham sido fabricados em Ingolstadt, além de outros 7.550 montados sob licença da empresa brasileira Vemag, de São Paulo, e conhecidos como Candango.

 

Fotos

 

 

 

 

 

 

 

 

Catálogos

 

 

 

 

 

Página Principal