Lettry e Piëch estavam certos |
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Texto de Bob Sharp originalmente publicado no site AUTOentusiastas em 01/08/2009 sob o título "Semente do Audi Quattro" |
A reverência do Juvenal ao Audi Quattro é mais do que justificada. O
carro pode ser considerado um marco divisor. A História do Automóvel,
quando for escrita depois que o último deixar de existir -- se é que
isso ocorrerá um dia -- terá um tomo iniciado justamente pelo Audi
Quattro. A história que o Juvenal contou fala acertadamente num carro-mula Audi 80, mas como a Audi chegou até ele é uma história incrível que merece ser compartilhada com os leitores do AUTOentusiastas. Um história que tem a ver com a foto acima. |
Em 1958 (*) a Vemag, que já vinha produzindo a perua DKW desde 24 de
novembro de 1956, resolveu fabricar no Brasil o utilitário tipo jipe da
marca, que já existia na Alemanha. Importou alguns e começou o
planejamento da produção. Era preciso desenvolvê-lo, encontrar
fornecedores e validá-lo. Para isso era preciso contratar um funcionário
de perfil especial, algo não tão fácil numa indústria incipiente. Ângelo Gonçalves era o gerente de engenharia da fábrica e convidou um amigo para tocar essa parte. Era Jorge Lettry, um italiano que havia chegado ao Brasil no colo da mãe com menos de um ano de idade mas que era mais brasileiro do que muitos nascidos aqui. Ângelo mostrou o jipe a Lettry e pediu que ele desse uma volta, que dissesse o que achava. Saiu e demorou, demorou, a ponto de deixar Ângelo bastante preocupado, pois Lettry era conhecido por dirigir muito rápido. Logo imaginou o pior. Depois de cerca de duas horas Lettry leva o DKW (ao lado) de volta para a fábrica e, perguntado sobre o que tinha achado, se via condições de tê-lo produzido aqui e, principalmente, se teria mercado (o forte concorrente era o Jeep Willys CJ-5), Lettry disse logo, de cara: "Dr. Ângelo, este é o melhor carro esporte que já dirigi". Claro, o Dr. Ângelo pensou que o Jorge havia enlouquecido. Tratava-se de um utilitário e ele vinha falar em...carro esporte!? Quem teve a oportunidade de dirigir um sabe que Jorge Lettry não exagerou na avaliação. |
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Quase 20 anos mais tarde, a Volkswagen preparava-se para lançar o Iltis.
Como se sabe, a VW ficara com a Auto Union em 1965, que pertencia à
Daimler-Benz desde 1958. O Iltis nada mais era que o jipe DKW, que aqui
passara a se chamar Candango, em 1960, atualizado. Saiu o motor de três cilindros dois-tempos de 981 cm³/44 cv e entrou um 827 (o nosso AP) de 1.716 cm³ (79,5 x 86,4 mm), 76 cv a 5.500 rpm. Em vez do transeixo dianteiro de quatro marchas com caixa de transferência e reduzida, um de cinco marchas com primeira tratora (7,6:1). A segunda 3,91:1 é que era usada normalmente para arrancar. E um tratamento no estilo frontal, com farois embutidos nos para-lamas, como se vê na foto de abertura. O chassi rolante permaneceu exatamente igual, a mesma suspensão independente nas quatro rodas, mas a tração integral deu lugar a uma 4x4 temporária. Ferdinand Piëch, neto de Ferdinand Porsche, era diretor de engenharia da Audi nesse tempo e deram-lhe um Iltis para rodar no fim de semana, como é habitual nas fábricas de automóveis. Piëch era um engenheiro de mão cheia, é dele o motor Porsche de seis cilindros que estreou no 911. Nada mais natural que sua opinião fosse essencial em qualquer produto. Piëch ficou tão impressionado com o comportamento em curva do "Candango", mesmo com o curtíssimo entre-eixos de 2.015 mm, que ao chegar à empresa na segunda-feira reuniu os seus colaboradores diretos e determinou que criassem um trem de força semelhante para um Audi 80. Nascia naquele momento o Audi Quattro. Dois anos depois o novo Audi era a sensação do Salão de Genebra. Lettry e Piëch estavam certos. |
(*) Nota da editoria do site "Clube do Candango":
Acreditamos que houve um ligeiro
engano do autor. O ano correto da tomada de decisão de fabricar o jipe
da Auto Union seria antes de 1958, quando efetivamente começou a
produção do Jipe DKW no Brasil.
Da revista 4Rodas nº 88, na
matéria "Por que morreu o DKW", temos a informação que "em fevereiro de
1958, nascia o jipe Candango".
Por outro lado, sabemos que pelo
menos um jipe Munga foi importado pela Vemag antes de 1957 pois, em
dezembro de 1955, o Jornal do Brasil anunciava que um protótipo do jipe
DKW-Vemag tinha sido apresentado oficialmente ao presidente JK.
A
foto ao lado pode ser uma evidência desses veículos no Brasil, embora
também deixe algumas dúvidas: os quatro jipes a partir da esquerda são
efetivamente veículos importados ou foram produzidos aqui mas montados
com a grade original do jipe alemão?
A favor da hipótese que são
veículos importados, o primeiro jipe não apresenta o estribo (típico do
Jipe DKW e do Candango). A ausência da janela de ventilação na base do
parabrisa (típica do Munga, nunca instalada no Candango) poderia ser
derivada dos primeiros modelos importados, visto que o protótipo de 1955
(fotos abaixo) também não apresentava essas janelas de ventilação.
Sabemos da seguinte cronologia do desenvolvimento do jipe Munga:
- Desenvolvimento dos primeiros protótipos: 1953
- Concorrência
para fornecimento de um veículo leve 4x4 para o exercito alemão: início
de 1954
- Testes com protótipos concorrentes: 1954 - 1956
-
Entrega do protótipo vencedor: junho de 1956
- Início da produção:
outubro de 1956 (Munga-4), agosto de 1958 (Munga-6), abril de 1962
(Munga-8)
- Lançamento no Salão de Frankfurt: setembro de 1957
(Munga-6)
Protótipo 1955 | ||||
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No entanto, na foto dos veículos na frente da fábrica da Vemag, a dúvida persiste em relação às lanternas dianteiras. O modelo alemão, desde a fase de protótipo, já possuia sinalização de direção. Como foi a adaptação no modelo brasileiro? |
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Tanto na foto dos jipes defronte à fábrica, quanto na foto a esquerda, parece que os veículos portavam duas lanternas de cada lado. A confirmar-se, o que isso significaria? No lançamento do Munga no Salão de Frankfurt em 1957 (foto a direita) já aparecem suas características lanternas que se manterão em linha até o final da produção. Cabe notar que o parabrisa, tal como no modelo brasileiro, não apresenta a janela de ventilação. Temos claro que a Vemag foi buscar nos fabricantes nacionais de autopeças o fornecedor das lanternas para o seu Jipe DKW (até hoje são fabricadas). A supressão da sinalização de direção pode ter sido decidida frente à não obrigatoriedade de sua instalação pelas regras de transito em vigor na época. Fica a dúvida portanto se os jipes postados em frente à fábrica já não estariam em fase final de planejamento de produção ou, como diz o autor, "era preciso desenvolvê-lo, encontrar fornecedores e validá-lo". Neste sentido, poderiam ser Mungas sendo usados como protótipos de Jipe DKW para planejamento da produção com partes e peças fabricadas por fornecedores nacionais. Por fim, a favor da hipótese que alguns Mungas foram "nacionalizados" pela Vemag, há o registro na ANFAVEA que oito Jipes DKW foram produzidos no ano de 1957, em contradição com o publicado pela renomada revista. |
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